Thursday, September 13, 2007

Incongruências de primeiro mundo

Em dia em que o Unicef publica o relatório sobre Child Survival and Development, dando conta de um passo importante na guerra contra a mortalidade infantil, eu venho falar de um assunto que há já algum tempo quero mas não o faço. O relatório (com link aqui) informa que a mortalidade infantil para crianças abaixo de 5 anos finalmente ficou abaixo dos 10 milhões por ano (ainda acho um absurdo um número tão grande, mas temos que ver ao menos o progresso) e o importante investimento em campanhas de vacinação é um dos mais importantes fatores de sucesso.

Pois eu vivo atualmente em primeiro mundo, e primeiro mundo d-a-q-u-e-l-e-s. Nesse eixo aqui todo mundo vai pra escola, todo mundo tem acesso à informação, todo mundo tem acesso a saúde, medicamentos e vacinas, não há nem mesmo fator financeiro restringindo que todo mundo viva bem, e muito bem.

Não nego que cabe também a cada indivíduo fazer as próprias escolhas. Conheço mulheres que preferiram ter seus filhos por parto normal e sem peridural, compreendo que a escolha de sentir dor por fazer do processo mais natural não implica em risco nem para a gestante e nem para a criança. Assim como há também mulheres por aqui que preferem não amamentar, passam para a fórmula de leite para recém nascidos diretamente - aceito que esse tipo de decisão não traz risco agregado para ninguém e é de âmbito pessoal.

No entanto, e que para mim é incompreensível e até mesmo inaceitável, como pode uma mãe negar-se a vacinar o próprio filho porque entende que é mais natural deixar o próprio corpo reagir às intempéries viróticas? Como se a credulidade do que seja "mais natural" supere todos os estudos e o avanço da ciência, negando-se a enxergar e constatar o óbvio e partindo, ao meu ver, para um plano metafísico sobre o natural que é legal?

Sim, eu conheço gente assim, aqui, à minha volta, no trabalho - o que chega a ser ainda mais irônico. Gente que não vacina os filhos e os expõem a um risco burro simplesmente porque acreditam em algo - como se fosse religião, o que chega a me assustar. Gente que dirige 30 quilômetros de carro para vir trabalhar, poluindo o meio ambiente de CO2, mas que acredita que não vacinar o filho seja mais natural. Gente que usa PVC, come no MAc Donald's e fruta fora da estação, mas que profetiza que a melhor coisa é o corpo reagir naturalmente a toda sorte de doenças. Gente que usa sacola de plástico, coloca fralda não biológica, mas que acha a idéia de inocular um agente enfraquecido numa criança para que ela produza os anticorpos necessários e esteja protegida um descabimento.

Gente assim, que tem acesso à tudo, que tem dinheiro, toda possibilidade de fazer escolhas bem informadas, de saber o que é realmente melhor, prefere enfiar os pés pelas mãos e dar cabeçada na parede, pelo simples prazer de acreditar em algo que não tem embasamento científico, que não é real.

O que fazer?

Eu já tentei argumentar e conversar, mas vi que me irrito com o despropósito e com a negação da sorte que essas pessoas têm, de terem acesso à tudo e escolherem o risco, simplesmente por uma questão de credo - credo ao que seja mais natural.

E eu não gosto de gente assim, gente que tem a prepotência de achar que sabe mais e melhor do que o que toda a realidade lhe prova diariamente. Quando a coisa vira praticamente religião, onde o valor é inquestionável, ainda que a ciência lhe prove direitinho o contrário. Gente assim me irrita profundamente porque não importa o quanto a Humanidade avance, gente assim vai sempre se agarrar no que lhe dá conforto porque é o que acredita e vai impedir outras tantas de progredir.

Pra mim, gente asim deveria ser presa. Mas, se nem o Renan a gente prendeu, eu não tenho a inocência de achar que meu projeto-de-lei vingaria.

5 comments:

Maria Fabriani said...

Eu também acho o fim da picada essa nova onda de ricos-brnacos-esclarecidos que condenam seus filhos a uma vida perigosa por pura idiotia new-age. Meu filho vai receber todas as vacinas que tem direito e ainda mais! Já que aqui ele tem direito à vacina contra hepatite de graça, por ser filho de uma imigrante. Isso porque as criancas suecas, filhos de pais suecos, não têm direito a essa vacina. A enfermeira que nos informou desse detalhe nos disse que queria que seus três filhos recebessem a vacina, mas que o marido dela era apenas filho de italianos, o que não era suficiente para justificar a vacina. Pode? Não, não pode. Ainda bem que sou imigrante! pelo bem do meu filho!

Unknown said...

Natural para os humanos é viver em caverna, caçar a marretada e grunir, o resto todo é artifical.

Mas os imbecis que querem ser naturais a qualquer preço vão inevitavelmente deixar prole menor e o gen da idiotia acaba sumindo do planeta, como teorizado por Darwin.

Unknown said...

Isso sem mencionar que "...acreditar em algo que não tem embasamento científico" é a própria definição de religião

Eu sempre defendi que todos os que se declaram religiosos deveriam ser considerados pelo Estado como "esquizofrênicos sofrendo de alucinações constantes" e ter o direito de voto retirado.

Ma said...

Adorei sua catarse, sou totalmente a favor das vacinas e tb acho um retrocesso essa historia de nao vacinar porque " pegar a doenca e melhor" Melhor como? Nao consigo entender tb esta teoria. Vacinei Juju na Alemanha e as que la nao davam como a BCG eu dei no Brasil. E tenho minha consciencia tranquila de que fiz o melhor pela minha filha, pelo menos o estava ao meu alcance.Beijos!

zabrina said...

Eita caramba. Aqui nos EUA não tem jeito, se não vacinar não entra na escola, mas tem uma pá de naturebas correndo soltos por aí, enchendo a boca de ar e soltando o mesmo aos quatro ventos que escola não é bom, homeschooling é o que há. Balela. Filho meu vai pra escola vacinado e penteado com pente de plástico mesmo e sapato com sola de borracha.Tem que aprender na marra e no grito, que há gentes e gentes. Ficar na barra da saia da mãe e não ver o mundão lá fora? Ora veja. Natureba é uma ova. Gente muito sentimental, acaba chorando na cova do filho. E capaz de arranjar outro alguém para pôr a culpa.