Incongruências de primeiro mundo
Em dia em que o Unicef publica o relatório sobre Child Survival and Development, dando conta de um passo importante na guerra contra a mortalidade infantil, eu venho falar de um assunto que há já algum tempo quero mas não o faço. O relatório (com link aqui) informa que a mortalidade infantil para crianças abaixo de 5 anos finalmente ficou abaixo dos 10 milhões por ano (ainda acho um absurdo um número tão grande, mas temos que ver ao menos o progresso) e o importante investimento em campanhas de vacinação é um dos mais importantes fatores de sucesso.
Pois eu vivo atualmente em primeiro mundo, e primeiro mundo d-a-q-u-e-l-e-s. Nesse eixo aqui todo mundo vai pra escola, todo mundo tem acesso à informação, todo mundo tem acesso a saúde, medicamentos e vacinas, não há nem mesmo fator financeiro restringindo que todo mundo viva bem, e muito bem.
Não nego que cabe também a cada indivíduo fazer as próprias escolhas. Conheço mulheres que preferiram ter seus filhos por parto normal e sem peridural, compreendo que a escolha de sentir dor por fazer do processo mais natural não implica em risco nem para a gestante e nem para a criança. Assim como há também mulheres por aqui que preferem não amamentar, passam para a fórmula de leite para recém nascidos diretamente - aceito que esse tipo de decisão não traz risco agregado para ninguém e é de âmbito pessoal.
No entanto, e que para mim é incompreensível e até mesmo inaceitável, como pode uma mãe negar-se a vacinar o próprio filho porque entende que é mais natural deixar o próprio corpo reagir às intempéries viróticas? Como se a credulidade do que seja "mais natural" supere todos os estudos e o avanço da ciência, negando-se a enxergar e constatar o óbvio e partindo, ao meu ver, para um plano metafísico sobre o natural que é legal?
Sim, eu conheço gente assim, aqui, à minha volta, no trabalho - o que chega a ser ainda mais irônico. Gente que não vacina os filhos e os expõem a um risco burro simplesmente porque acreditam em algo - como se fosse religião, o que chega a me assustar. Gente que dirige 30 quilômetros de carro para vir trabalhar, poluindo o meio ambiente de CO2, mas que acredita que não vacinar o filho seja mais natural. Gente que usa PVC, come no MAc Donald's e fruta fora da estação, mas que profetiza que a melhor coisa é o corpo reagir naturalmente a toda sorte de doenças. Gente que usa sacola de plástico, coloca fralda não biológica, mas que acha a idéia de inocular um agente enfraquecido numa criança para que ela produza os anticorpos necessários e esteja protegida um descabimento.
Gente assim, que tem acesso à tudo, que tem dinheiro, toda possibilidade de fazer escolhas bem informadas, de saber o que é realmente melhor, prefere enfiar os pés pelas mãos e dar cabeçada na parede, pelo simples prazer de acreditar em algo que não tem embasamento científico, que não é real.
O que fazer?
Eu já tentei argumentar e conversar, mas vi que me irrito com o despropósito e com a negação da sorte que essas pessoas têm, de terem acesso à tudo e escolherem o risco, simplesmente por uma questão de credo - credo ao que seja mais natural.
E eu não gosto de gente assim, gente que tem a prepotência de achar que sabe mais e melhor do que o que toda a realidade lhe prova diariamente. Quando a coisa vira praticamente religião, onde o valor é inquestionável, ainda que a ciência lhe prove direitinho o contrário. Gente assim me irrita profundamente porque não importa o quanto a Humanidade avance, gente assim vai sempre se agarrar no que lhe dá conforto porque é o que acredita e vai impedir outras tantas de progredir.
Pra mim, gente asim deveria ser presa. Mas, se nem o Renan a gente prendeu, eu não tenho a inocência de achar que meu projeto-de-lei vingaria.
5 comments:
Eu também acho o fim da picada essa nova onda de ricos-brnacos-esclarecidos que condenam seus filhos a uma vida perigosa por pura idiotia new-age. Meu filho vai receber todas as vacinas que tem direito e ainda mais! Já que aqui ele tem direito à vacina contra hepatite de graça, por ser filho de uma imigrante. Isso porque as criancas suecas, filhos de pais suecos, não têm direito a essa vacina. A enfermeira que nos informou desse detalhe nos disse que queria que seus três filhos recebessem a vacina, mas que o marido dela era apenas filho de italianos, o que não era suficiente para justificar a vacina. Pode? Não, não pode. Ainda bem que sou imigrante! pelo bem do meu filho!
Natural para os humanos é viver em caverna, caçar a marretada e grunir, o resto todo é artifical.
Mas os imbecis que querem ser naturais a qualquer preço vão inevitavelmente deixar prole menor e o gen da idiotia acaba sumindo do planeta, como teorizado por Darwin.
Isso sem mencionar que "...acreditar em algo que não tem embasamento científico" é a própria definição de religião
Eu sempre defendi que todos os que se declaram religiosos deveriam ser considerados pelo Estado como "esquizofrênicos sofrendo de alucinações constantes" e ter o direito de voto retirado.
Adorei sua catarse, sou totalmente a favor das vacinas e tb acho um retrocesso essa historia de nao vacinar porque " pegar a doenca e melhor" Melhor como? Nao consigo entender tb esta teoria. Vacinei Juju na Alemanha e as que la nao davam como a BCG eu dei no Brasil. E tenho minha consciencia tranquila de que fiz o melhor pela minha filha, pelo menos o estava ao meu alcance.Beijos!
Eita caramba. Aqui nos EUA não tem jeito, se não vacinar não entra na escola, mas tem uma pá de naturebas correndo soltos por aí, enchendo a boca de ar e soltando o mesmo aos quatro ventos que escola não é bom, homeschooling é o que há. Balela. Filho meu vai pra escola vacinado e penteado com pente de plástico mesmo e sapato com sola de borracha.Tem que aprender na marra e no grito, que há gentes e gentes. Ficar na barra da saia da mãe e não ver o mundão lá fora? Ora veja. Natureba é uma ova. Gente muito sentimental, acaba chorando na cova do filho. E capaz de arranjar outro alguém para pôr a culpa.
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