A ironia à la française
Todas as minhas manhãs da semana são passadas com café e alguma variedade comível com um grupo de franceses. Esse hábito de 4 anos virou praticamente uma instituição entre nós, sendo eu a única estrangeira du petit déjeuner. O papo é de variedade extensa, falamos desde trabalho e tempo, como qualidade da neve, médico dos filhos e política francesa. O denominador comum disso tudo é a tal ironia francesa. Como havia citado abaixo com o Les Gignols, é a ironia, ao meu ver, uma das bases da sociedade francesa. Desconheço a origem dessa determinação cultural, mas passando por qualquer faixa etária e quaisquer níveis sociais, é a ironia que une todo mundo.
Não pretendo partir pra um papo pseudo-filosofal, então, dou exemplos práticos dessa minha etiquetagem:
1
Esse final de semana fui tentar dar um jeito na minha juba, ridícula há tanto tempo que nem sei mais. Fui a um cabeleireiro que atende sem hora marcada e que fica no mesmo complexo onde faço compras. Estava com meu filho. Pergunto pra atendente quando posso vir. Ela diz, dentro de 1/2 hora. Eu digo, dentro de 1/2 hora não dá, tenho que fazer compras e deixar meu filho em casa, pode ser dentro de 1 hora? E ela, senhora, aqui é sem hora marcada, então é dentro de 1/2 hora que terei vaga. E eu, sim eu sei disso, mas é que 1/2 hora não dá pra fazer compras e ainda ir deixar meu filho em casa e voltar aqui. E ela, ora senhora, se quiser, a gente marca pra 1/2 hora e a senhora chega atrasada, e então veremos se teremos vaga. E eu, não muito obrigada, vou a outro cabeleireiro.
2
Falando de presença mínima requerida em escola ou universidade - lembro-me de que no Brasil existia um mínimo a ser respeitado - uma amiga minha diz:
- Até parece que quem falta às aulas e faz greve são os alunos. Já disse pros meus filhos, se algum dia alguém pedir satisfação por eles terem faltado à aula, eles não dizem nada, somente para me contactar. Ainda estou esperando alguém ligar lá em casa.
3
Estávamos resolvendo (ou tentando resolver) um problema de trabalho, quando um colega francês solta:
- A gente resolve esse ano pra todo mundo esquecer no ano que vem e a gente ter que resolver de novo. A memória curta alheia é que dá e garante meu trabalho, já percebeu?
4
Em conversa sobre as 35 horas semanais e a quantidade de férias que isso acaba proporcionando a um trabalhador em um ano (o que não é nosso caso) um amigo solta:
- Vc esqueceu de contar as greves também.
Esse exemplos são só da última semana, sem ter que fazer esforço pra lembrar. O repertório é muito mais extenso.
Tem dias em que me contagio com essa ironia, mas como não me é parte inerente, acordo e vejo que estou impregnada, dou uma reciclada e voltao ao meu normal realista com certa dose de otimismo. E então o ciclo se reinicia.
Uma coisa esse negócio de viver sob influência constante de outra cultura, tem dias em que a gente realmente não se reconhece.
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