Da vida de expatriado 2
Agora embalei, ninguém me segura.
Há que se constatar que o olhar de expatriados para com as origens sempre fica romantizado, assim como o das mães. A minha sempre diz que nós fomos bagunceiros normais, pois eu me lembro das coisas que fizemos e me arrepiam os cabelos imaginar que os meus vão repetir tudo aquilo no superlativo. Lá em casa sempre acabava com alguém soltando sangue, alguém com algo quebrado, alguém no hospital ou então muita gente correndo atrás de nós para uma esquentada de bunda. Mas ela acha os meus dois muito, MUITO mais terríveis do que fomos. Insisto que ela ou não se lembra, ou tem memória seletiva ou está me sacaneando. Ela então insiste que os meus dois são sim, muito, mas MUITO terríveis - ainda que não tenhamos no currículo, até o momento, nenhum ferido grave.
Aceito que o meu olhar romantiza muito do que é referência e do que ficou no passado. Porque a gente seleciona o que quer lembrar, guarda tudo aquilo de bom e renova aqui dentro as pequenas desgraças, deixando os desagrados para um pouco mais longe. Um exemplo, o trânsito daquela cidade maluca que é São Paulo. Eu, por aqui, deveria ter vegonha de reclamar do trânsito meia-boca que por vezes pego. Porque se tem dias em que demoro 45 minutos, 50, vá lá, 1 hora pra chegar em casa, em São Paulo poderiam ser horas, horas e horas. Então, reconheço que a memória envelhece e faz tudo ficar em cores pastéis e, de alguma forma, eu não me lembro do sofrimento no trânsito de São Paulo.
Lido, algumas vezes, na base do humor: quem sabe rir de si é seguramente mais feliz do que os ranhetas e broncos. Mas, como eu não sou e nem nunca fui lady, tem dias em que o humor vai dar um passeio e o que me resta é a frustração, indignação, incômodo e, de certa forma, essa melancolia por aquela vida romantizada que chamo de casa.
Nunca fiz planos de voltar ao Brasil, e nem mesmo nessas horas faço. ASsim reafirmo que a minha felicidade independe dessa minha visão romantizada da terrinha. Tudo que sinto é absolutamente normal, os momentos de estranhamento passam, se renovam e, dentro em pouco, estarei aqui novamente de bem com o meio que me cerca. Saber que as marés baixas vêm é importante, mas saber que elas se vão é o que faz meus dias. No mais, sou camaleoa. Absorvo, incorporo, me moldo, em tudo que é maleável de mim mesma. Navego por entre mundos muito distintos sem me sentir peixe fora d'água, adapto-me sem muito custo, vou pela vontade de experimentar, mesmo que a custo de cabeçadas. Porque eu sei que depois o que fica é o experimentar, as cabeçadas, de certa forma, ou viram histórias absurdas cheias de graça, ou são esquecidas. Simples assim.
Eu adoro quando faço perfeito sentido de minhas incongruências. Me sinto uma assumidade de minha própria incoerência.
2 comments:
Adorei seu útimo parágrafo. Sei bem o que é, mas raramento consigo.
O que mais me afeta na vida de expatriada é não fazer parte da vida dos que estão lá, por mais que eu tente me fazer presente. Agora ficou ainda mais grave, a dor na consciência duplicou, pois meu pequeno também não faz parte da vida deles, nem eles fazem parte da vida do meu pequeno.
De resto, também sou camaleoa.
Beijocas
Quem parte nunca mais retorna inteiro, mesmo que retorne. Uma vez que ocorra a emigração e ela seja de alguma forma prolongada, manifesta-se uma ambiguidade na vida que aqueles que nunca partem jamais conseguirão entender.
Esta ambiguidade não é de todo ruim e, por não poder mais ser desfeita, tem de ser abraçada. Porque o significado da vida não é criado apenas a partir do linear e do esperado - o significado se reinventa quando há esta quebra com o normativo, com o sedentarismo. Uma vida dividida também é vida.
Os nômades, imigrantes e expatriados perdem muito e estão sempre a checar o saldo das suas vidas, e nem sempre ele é positivo. Mas de quem nunca se mexe, nem sempre ele o é também.
Um dia bem, noutro nem tanto, mas sobrevivemos!
Um beijo
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